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50 anos da morte do última ditador fascista da Europa

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Em 20 de novembro de 1975, a história espanhola marca uma data indelével: há exatos 50 anos morria em Madri Francisco Franco Bahamonde, um dos ditadores mais longevos no poder na Europa. Meio século depois, sua figura continua sendo altamente controversa e a memória de sua ditadura sanguinária ainda ecoa na política atual da Espanha. Porém, como um militar de carreira conseguiu tomar o poder, sobreviver à queda dos fascismos europeus em 1945 e morrer na cama, deixando um legado que divide a nação até hoje?

ASCENÇÃO SANGRENTA

Francisco Franco consolidou sua carreira militar nas colônias espanholas do norte da África nas décadas de 1920 e 30. De tradição católica e conservadora, ele mantinha uma postura crítica, porém obediente, aos governos reformistas da Segunda República Espanhola, iniciada em 1931. Essa fidelidade institucional acabou em 17 de julho de 1936.

Naquela data, Franco uniu-se a um grupo de militares amotinado contra a vitória democrática da "Frente Popular", desencadeando um golpe de Estado que fraturou a Espanha. O país foi dividido em dois. De um lado, os sublevados, apoiados pela cúpula do Exército, pela Igreja Católica e pelas potências fascistas da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini. Do outro, o governo republicano, apoiado por uma heterogênea aliança de democratas, comunistas e anarquistas, que contou apenas com o auxílio pontual da União Soviética e das Brigadas Internacionais, enquanto democracias como Reino Unido e França ignoraram os pedidos de socorro.

Após três anos de uma guerra civil brutal, Franco derrotou a República espanhola. O saldo foi devastador. Estima-se que 540 mil pessoas morreram, em um país de 24 milhões de habitantes, sendo 200 mil em combate e o restante em execuções extrajudiciais. Em 1º de abril de 1939, começava o poder absoluto do "Generalíssimo".



SOBREVIVÊNCIA DO REGIME

Ao contrário de seus aliados fascistas, Franco sobreviveu ao fim da Segunda Guerra Mundial. O estado catastrófico em que a Espanha se encontrava pela guerra civil impediu sua entrada formal no conflito global. O desinteresse dos Aliados em invadir a Espanha em 1945 e aproximação com os Estados Unidos garantiram sua permanência no poder

O regime franquista sustentou-se em três pilares: o Exército, a Igreja Católica e a Falange Espanhola, o único partido legalizado.

Entre 1945 e 1955, a Espanha viveu sob profundo isolamento internacional e autarquia, período conhecido como os "anos da fome", marcados pelas cartilhas de racionamento. A virada ocorreu em 1957, com um plano de estabilização que trocou a ideologia falangista pela gestão de tecnocratas cristãos do Opus Dei. Aproveitando-se do anticomunismo da Guerra Fria, Franco aproximou-se dos Estados Unidos, gerando o "milagre econômico" dos anos 60.


FERIDAS ABERTAS

A morte do ditador em 20 de novembro de 1975 não representou um fim abrupto do regime, mas sim o início de uma complexa metamorfose política. Seguindo os desígnios de Franco, Juan Carlos I assumiu a chefia do Estado e, sob a presidência de Adolfo Suárez, orquestrou a Lei para a Reforma Política de 1976. O marco definitivo da democracia, no entanto, só viria em 1977 com a legalização do Partido Comunista da Espanha, o maior inimigo histórico do franquismo.

Apesar do sucesso aparente, essa transição carrega críticas persistentes até hoje. Historiadores e parte da sociedade apontam que a estrutura de poder do regime não foi desmantelada, apenas reformada, perpetuando certas influências. Além disso, questiona-se a legitimidade de origem da atual monarquia, uma vez que jamais foi realizado um referendo permitindo aos espanhóis escolher entre a restauração da República ou a aceitação do rei, cuja figura foi imposta pelo próprio ditador.

Soma-se a isso a impunidade garantida durante o processo democrático, já que não houve condenações aos membros do regime pelos crimes cometidos. Essa "pactuação do esquecimento" deixou uma dívida humanitária imensa: mais de 100 mil pessoas, majoritariamente militantes de esquerda, permanecem enterradas em valas comuns, vítimas da repressão. Governos progressistas recentes, como os de José Luis Rodríguez Zapatero e Pedro Sánchez, tentaram sanar essas feridas através de leis de memória democrática e da simbólica exumação dos restos mortais de Franco do Vale de Cuelgamuros em 2019. Contudo, cinco décadas depois, a polarização em torno do passado revela que a sombra do franquismo ainda não se dissipou totalmente da política espanhola.
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